Nascida e criada em Bauru/SP, Gessy Bonetti Ferrari era neta de italianos e chineses que vieram ao Brasil, talvez vindos no mesmo navio, buscando mudanças e melhoria de vida. É a sexta filha do casal Erothildes Mendes Bonetti e Francisco Bonetti, mais conhecidos como Nono e Nona, como carinhosamente são conhecidos e mencionados pela família até hoje.
Gessy não teve uma infância e, tampouco uma adolescência e vida adulta fáceis. Por vezes presenciava seu pai chegar bêbado em casa e agredir sua mãe e quem se atrevesse a entrar na frente para impedi-lo de fazer. Sempre precisou trabalhar para seu sustento e também de seus irmãos e pais.
Seu primeiro emprego formal foi aos 14 anos em uma gráfica, onde ao completar 18 anos foi dispensada, já que o salário para maiores de idade teria de ser maior e por isso não compensava para seus patrões. Trabalhou então no Jornal da Noroeste, onde dobrava e fazia limpeza da oficina – o que fazia até 3 semanas atrás, com seus 86 anos de idade, mas no Jornal da Cidade, fundado por ela e que vocês estão lendo agora.
Gessy também trabalhou como recepcionista em um laboratório e quando este fechou foi trabalhar na Sambra (indústria que fabricava óleo a partir do algodão e amendoim). Apesar de toda a dificuldade, Gessy sempre se esforçou para estudar, o que conseguiu fazer através de bolsas de estudo e relatou: “Quando eu comecei a estudar, tudo era novidade para mim, o saber era a porta de entrada para moldar minha personalidade através do ensino”.
Gessy casou-se com Irineu Ferrari, também fundador do Jornal da Cidade, da Gráfica Ferrari e de outros empreendimentos bastante conhecidos pela população Mirandense. Nesse ponto da história vou me abster de muitos detalhes e mencionar apenas que nossa personagem principal não teve uma vida conjugal fácil, mas apesar de todos os pesares e de todas as dificuldades impostas em seu caminho, nunca se entregou ou deixou de acreditar na vida, no amor e em Deus.
Assim, Gessy criou seus quatro filhos, Wagner, Andréa, Simone e Samira. Ela cuidava também do ex-marido, dos amigos de seus filhos, acolhia em sua casa pessoas que não tinham condições de ter moradia mas queriam estudar na cidade, cuidou também de seus sobrinhos e sobrinhas, dos genros, da sua nora, dos seus 3 netos e 4 netas, dos seus próprios amigos e amigas, dos amigos de seus netos, dos seus funcionários da gráfica e da pizzaria, da filha de seu ex-marido, de quem estava na rua sem comida e sem moradia, de qualquer um que precisasse, até de quem não queria e principalmente de quem não merecia.
O amor e cuidado de Gessy sempre atingiu a todos, atravessou gerações, sem nenhuma distinção.
A essa altura, vocês já me conhecem e sabem que Gessy é minha avó.
O que escrevi até agora foi tirado de um dos cadernos que ela me escreveu, contando sua história, registrando suas memórias. Esse em particular ela escreveu há seis anos atrás, quando tinha 80 anos e afirmou: “Hoje aos 80 anos eu consegui ser feliz por ter esta família maravilhosa e transpor todas as fases da vida, para elevação espiritual, como eu disse para o Thierry, o mundo é uma escola e quando eu passar pelo vestibular da vida aí sim eu vou receber meu diploma e ir para o mundo espiritual. […] e meus filhos são especiais para mim e tenho a certeza que os eduquei muito bem apesar de ter um parceiro complicado, foi um desafio mas confio em Deus com toda minha alma. Não se esqueçam que os canalhas também envelhecem, a lei do retorno é clara e tenho certeza que todos do meu sangue honram com tanta dignidade. […]
Sem dúvida nenhuma, a senhora passou no vestibular da vida, vó.
Desde o que aconteceu com a minha vó Gê, a Gessy aqui do meu texto de hoje, eu pensei em tanta coisa para escrever, porque apesar de falar tanto, escrever é a forma em que eu consigo me expressar verdadeiramente. Pensei em textos sobre conscientização no trânsito, condução responsável, perdas, responsabilidade com o próximo, a vontade de Deus, tantas coisas… A revolta, o sentimento de impotência, de dor, o sofrimento só de pensar em tudo o que minha vózinha passou durante toda sua vida e a dor e o susto que sentiu ao ser atropelada e o quanto eu queria poder poupá-la disso, os questionamentos constantes que sempre surgem, a confusão e a loucura que virou a minha vida e de toda minha família nos últimos dias, tudo isso se torna muito pequeno quando paro e penso em quem minha vó foi e do legado que ela nos deixou. A transcrição final do parágrafo acima, escrito por ela, diz muito mais do que eu escrevi nesse texto todo. Que grandeza, que luz!
Eu fiz questão de escrever para o primeiro Jornal da Cidade que ela não vai ajudar a dobrar, não vai sair de madrugada para entregar com meu pai, não vai separar, guardar e levar para alguns de vocês, eu fiz questão de contar um pouco do que ela deixou registrado, de abrir um pouco a intimidade da minha família por que a força, a grandeza, a fé e o amor da minha vó Gê nunca irão morrer.
Deus foi muito generoso, quando permitiu que vivêssemos com Gessy Bonetti Ferrari e sei que apesar da sua ausência física, ela vai continuar nos cuidando e nos ensinando.
Já sinto tantas saudades vó! Te amo mais do que consigo mensurar ou descrever.
Com amor, da sua Carolzinha
- qua, 20 novembro 2024
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